30 de março de 2009
27 de março de 2009
Clássico: A Noiva de Frankenstein
Filmes antigos de terror podem parecer a muita gente, na atual era da ironia, o supra-sumo da tosqueira em forma de cinema. Mas na verdade, basta uma revisão destes filmes, como os clássicos Drácula (1931), com Bela Lugosi no papel do vampiro mais famoso do cinema, ou O Lobisomem (1941), com Lon Chaney Jr. para percebermos que tosqueiras mesmo são as releituras paródicas feitas recentemente no gênero, como o terrível Van Helsing (2004), com sua constrangedora profusão de monstros e efeitos visuais caricatos e duvidosos tentando substituir uma boa história.
Muitos jovens cineastas de Hollywood julgam que estão em vantagem sobre os velhos filmes em preto e branco por disporem de uma infinidade de técnicas e efeitos digitais impensáveis na época destes clássicos. Mas a técnica, por mais avançada que seja, nunca é garantia de bom cinema. Sabemos que um filme é memorável quando suas imagens não apenas reverberam sobre a cultura, mas por penetrarem no imaginário popular. Grandes filmes, por mais parodiados ou imitados que sejam, tornaram-se mitologia, não as ruínas de uma outra época, mas obras atemporais, que atravessam todas as épocas, inclusive a nossa e outras porvir. Filmes que apenas hiperbolizam clichês como Van Helsing já nascem ultrapassados pelos clássicos que supostamente reciclariam.
A Noiva de Frankenstein (1935) é a obra-prima de James Whale, cineasta que viveu seus últimos anos totalmente retirado de Hollywood, período em que se dedicava à pintura e no qual supostamente teria desenvolvido um relacionamento com seu jardineiro. Sua vida nesse período foi retratada no curioso Deuses e Monstros (1998), com sir Ian Mckenlen no papel de Whale. Um dado curioso a respeito do clássico A Noiva de Frankenstein é que Whale não queria fazê-lo de jeito nenhum. Só acatou as pressões dos produtores para realizar uma continuação de seu Frankenstein (1931) depois que recebeu carta-branca do estúdio para assumir o controle absoluto do filme.
O resultado é único, divertido, pungente, hilário, cheio de subentendidos sexuais, maliciosas ironias nitidamente gays, tudo isso funciona ainda como uma delicada parábola existencial sobre a solidão, o desterro, a falta de amor e amizade, a busca de um refúgio e a discriminação da sociedade, notavelmente retratada por Whale como a vilã do filme, com os habitantes do vilarejo sempre perseguindo e acuando o monstro.
Por sob a simplicidade de sua história, Whale põe em cena uma visão subversiva de temas polêmicos como religião, necrofilia e homossexualismo, realizando um dos melhores filmes - não apenas do seu gênero - mas de todos os tempos.
25 de março de 2009
Protesto: a camisinha do Papa
O Sumo Pontifície em recente visita à África, continente devastado pela epidemia, fez declarações reafirmando o caráter ultraconservador e reacionário da Igreja em face de uma das maiores tragédias da saúde a assolar a humanidade. Na camisinha francesa, além da imagem do Papa Bento XVI, vem estampada a frase 'I said No' (Eu disse não).
23 de março de 2009
Guilty Pleasure: A Casa das Sete 'Micheles'
Lançamento: Satyricon, de Petrônio
A obra de Petrônio foi escrita num momento de crise econômica do Império Romano, durante o governo de Nero (entre 62 e 66 d.C.) e reflete o clima de libertinagem e de decadência do período. O texto utiliza um realismo paródico que seria imitado por gerações de escritores ao longo do tempo, passando de Tácito e Boccacio, a Proust e Henry Miller.
Petrônio faz a crônica da Roma Antiga, mostrando um universo em que se movem assassinos, prostitutas, vagabundos, sacerdotisas, novos-ricos grosseirões, corruptos, puxa-sacos, entre outros tipos extravagantes obcecados por sexo e prestígio social. Segundo sua visão, numa sociedade corrompida dedicada apenas à busca do prazer, vive-se cada dia como se fosse o último.
Vale lembrar que em 1969, o diretor Federico Fellini fez uma extraordinária versão cinematográfica (toda falada em latim) inspirada na obra de Petrônio, adaptando com sua inventividade habitual os temas da decadência de Roma, presentes, por sinal, em todos os seus filmes. O filme foi lançado no Brasil, e encontra-se disponível num DVD da Coleção Silver Screen. Vale a pena conferir esse clássico, tanto em livro quanto em filme.
Disco: Pet Shop Boys - Yes
O duo eletrônico Pet Shop Boys está de volta com mais um (bom) disco, o décimo de sua prolífica e bem-sucedida carreira. O novo trabalho se chama Yes e conta com a participação do guitarrista Johnny Marr (ex-Smiths, que atualmente toca no The Cribs), que já participou de outras gravações com Neil Tennant e Chris Lowe no passado.
O disco está sendo lançado oficialmente hoje, dia 23 de março, tendo como primeiro single a faixa Love, etc cujo clipe já postamos aqui mesmo no "Dá-me Esse Homem".
Em entrevista recente, o vocalista Neil Tennant falou do novo disco e se declarou fã de artistas dos anos 60, especialmente da cantora Dusty Springfield (com quem os Pet Shop Boys gravaram o megahit What Have I Done Tone To Deserve This?) e que o teria influenciado no estilo vocal. Tennant também reafirmou a combinação única do som dos Pet Shop Boys, que resulta de suas influências sessentistas e do trabalho synth pop a cargo do tecladista (e DJ) Chris Lowe.
Nas letras deste Yes, Tennant faz comentários políticos incisivos (Legacy, uma das músicas do novo disco é um irônico adeus a Tony Blair, ex-primeiro ministro britânico que aderiu à invasão do Iraque), e apesar de gay o cantor dos Pet Shop Boys rejeita o rótulo de "grupo gay", pois a seu ver, o duo faz música para todos os tipos de pessoas:
"O Pet Shop Boys é um grupo de música pop. Eu sou homossexual assumido, mas é restritivo rotular nosso estilo musical dessa maneira. As pessoas que ouvem nossas músicas e que compram nossos discos o fazem porque gostam do ritmo e das letras. Não temos sucesso porque fazemos pregação, mas por causa da qualidade de nossas composições. Não importa que eu seja gay: a música da minha banda é feita para ser consumida por gays e héteros".
Ou seja, para Neil Tennant a sua música é universal, não tem gênero, está acima dos rótulos sexuais e dos preconceitos embutidos neles. Alguém deveria repetir tais palavras para os nossos publicitários, que utilizam canções de "grupos gays" com intenções duvidosas: para vender produtos como salgadinhos, mas que de forma enviesada reforçam a discriminação.
20 de março de 2009
Lançamento em DVD: O Conformista (1970)
Adaptado de um romance de Alberto Moravia, o filme (de 1970) mostra a trajetória de Marcello Clerici, um homem cujo grande desejo é "ser normal". Ele é cooptado pelos Camisas Negras, e recebe a missão de assassinar um ex-professor, militante antifascista, radicado em Paris, para onde Marcello parte em lua-de-mel com sua noiva.
Interpretado por Jean-Louis Trintignant, o personagem-título é um homem ambíguo e sem convicções políticas, que leva uma enfadonha e decadente existência burguesa, e que é conduzido por um amigo cego ao fascismo. Marcello abraça o fascismo com a mesma rapidez com que o renega quando o ditador Mussolini cai.
As raízes de seu comportamento obsessivo centrado em normalidade parecem decorrer de desejos homossexuais severamente reprimidos. É o que o filme nos sugere através dos flashbacks da adolescência de Marcello. Desejos que finalmente vêm à tona na memorável cena final, em que o personagem se dá conta, tardiamente, do seu grande engano, após viver uma vida inteira conforme os equívocos dos outros.
19 de março de 2009
18 de março de 2009
Clodovil, um arquétipo nacional
Livro: Giovanni, de James Baldwin
Longe de recorrer aos lugares-comuns banalizados pelo cinema homoafetivo contemporâneo (que se posiciona abertamente com uma política afirmativa de gênero), este é um drama com conotações trágicas que se distancia de clichês românticos, pois o narrador se encontra dividido entre um relacionamento desprendido com uma mulher e por uma densa relação homossexual, que segue por cursos tortuosos e obscuramente marginais, em meio às profundas dúvidas existenciais que o atormentam.
O livro (lançado em 1956) não perdeu seu impacto nem sua força. O autor viveu durante muitos anos em meio à boêmia parisiense, e há alguns inconfundíveis traços autobiográficos em seu romance Giovanni. Baldwin, além de ficionista, foi sobretudo um ensaísta de destaque nos anos 60 e é considerado o primeiro escritor a dizer aos brancos dos EUA como os negros americanos pensavam e sentiam.
17 de março de 2009
Papa X camisinha
Morrissey - Years of Refusal
Morrissey era uma figurinha avessa à badalação e aos excessos comuns entre os ídolos musicais carimbados da MTV. Celibatário, vegetariano, retraído e irônico, o cantor projetava uma imagem oposta à do star system de então, dominado por Madonna ou Boy George, que nos anos 80 destacavam-se não exatamente por méritos musicais, mas por comportamentos e visuais associados a sexo, androginia ou às drogas.
Morrissey em sua parceria com o guitarrista Johnny Marr marcaria época nos Smiths, tanto que após o esfacelamento do grupo muitos apostaram que sua carreira estaria acabada. Ledo engano. inaugurando sua carreira solo, Morrissey lançaria Viva Hate, um disco fundamental, que já acrescentaria clássicos imediatos ao repertório do cantor, verdadeiros hinos pós-Smiths, como "Suedehead" e "Everyday Is Like Sunday".
Years of Refusal é o nono disco numa carreira notoriamente alternativa. O cantor foi um precursor dos chamados artistas 'indie', os independentes, que anos depois, chegariam a dominar paradas e conquistariam espaços próprios. Morrissey hoje vive nos Estados Unidos e continua um ícone, idolatrado por centenas de jovens de origem latina, que acampam nos portões de sua mansão (que já pertenceu ao escritor Scott Fitzgerald e ao cineasta John Schlesinger). Ele manda ver no seu novo disco, num formato mais rock e direto, seus velhos temas de sempre (falta de amor, infelicidade, desilusões, solidão) tudo com aquele toque de sarcasmo e jocosa pilhéria característicos do cantor.
Morrissey é hoje um senhor de 50 anos, mas diferente de muitas celebridades surgidas na sua geração e esquecidas desde então, ele manteve viva e ativa sua carreira fazendo aquilo que basicamente sabe e gosta de fazer, sendo fiel a si mesmo e rejeitando tudo que constituia "o estilo de vida" rocker ou yuppie que marcariam os anos 80. Abraçado ao glam rock, a referências musicais como Bowie, New York Dolls e Roxy Music, a livros de Oscar Wilde e a filmes antigos e peças que evocavam a fúria renovadora dos Angry Young Men ingleses, Morrissey parecia uma excentricidade deslocada no tempo. As décadas que se seguiram comprovariam isso. Ele manteve afiados os seus temas, apostando em rocks tocados pela banda de rockabilly que o acompanha ou lançando faixas mais suaves. E continuaria brilhando como um ícone independente. Seu disco anterior já foi lançado há bons 3 anos.
O bom humor do Morrissey desta safra torna-se óbvio na capa de um de seus novos singles:
Este Years of Refusal vem com várias faixas falando de amores improváveis. Mas sem choradeira: Morrissey canta que "está bem sozinho" na canção "I'm Ok By Myself". O disco inteiro tem um astral otimista e uma postura muito madura e irônica em relação aos eternos desencontros amorosos.
14 de março de 2009
12 de março de 2009
Gordurosos, salgados e intolerantes
Os salgadinhos homofóbicos são os Doritos (foto). A peça publicitária que despertou polêmica envolve quatro amigos num automóvel. Um dos rapazes começa a dançar uma animada coreografia para "YMCA", famoso hino gay do grupo disco Village People. Os amigos reagem constrangidos, fazendo caras e bocas. Um pacote de Doritos aparece e encobre o rosto do rapaz, com a mensagem: "Quer dividir alguma coisa com os amigos? Divide um Doritos!"
Veiculado o comercial, a polêmica ganhou a blogosfera. Muitos gays e simpatizantes LGBT chiaram e agora ameaçam boicotar o salgadinho. Outros reclamam da falta de humor dos que se sentiram discriminados e há os que aproveitam a celeuma para deixar comentários ofensivos contra os gays.
O comercial em si não é risível, nem sequer engraçadinho. É ridículo mesmo. Não veicula outra mensagem senão a de que dividir com os amigos o fato de ser gay é algo que deve ser evitado. A mensagem? É melhor empanturrar a boca com salgadinhos do que abri-la pra fazer seu outing. Trata-se de uma apologia ao armário. A atitude francamente gay mostrada como constrangedora e socialmente reprovável.
Vale lembrar que dentre o público consumidor de Doritos, os alvos-chave da peça publicitária são os adolescentes masculinos, eternos campeões da homofobia no Brasil.