5 de maio de 2009

Livro: Saint Genet, ator e mártir, de Jean-Paul Sartre

Saint Genet é um extenso e profundo ensaio escrito por Sartre que a princípio serviria de prefácio à edição das obras completas de Jean Genet. O texto acabou ganhando corpo, e que corpo, (são 580 páginas!) e em sua abrangência trata minuciosamente sobre a vida e a obra de um artista incomum, poeta e marginal que se insere na melhor tradição (de Villon e Rimbauld) no contexto da literatura francesa, e ao mesmo tempo rompe com toda familiaridade, impondo um estilo inconfundível e único, que retrata o lado mais avesso ao da sociedade: o mundo do crime, dos marginalizados, dos mendigos, das prostitutas, dos travestis, dos ladrões e dos homossexuais.

Saint Genet: ator e mártir assemelha-se a uma biografia espiritual, e pode ser considerado como uma espécie de bíblia negativa, em que Genet emerge diante do mundo assumindo o papel não apenas de escritor obsceno e escatológico, mas de anjo maldito que traz em si todas as danações como bênçãos, homem marcado pela rejeição social no qual Sartre reconhece, paradoxalmente, o fulcro da santidade

Genet foi entrevistado por Sartre para a realização desta obra, e diversos elementos de seu misterioso passado são revelados e analisados, bem como o seu complexo universo de fantasias e criações. O trabalho foi tão no íntimo do autor, que Genet encontrou sérias dificuldades para continuar escrevendo depois da verdadeira vivissecação que o ensaio de Sartre lhe fez. Ele precisou abandonar os romances e se dedicar apenas ao teatro para continuar como autor. E chegou a pensar em destruir o ensaio, ateando-lhe fogo.

Felizmente isso não aconteceu. O livro é uma longa e digressiva especulação existencialista sobre uma experiência radical, a de Jean Genet, que começou a escrever para excitar-se e estimular-se à masturbação, já que, preso na colônia penal de Mettray, vivia isolado em sua cela (como um monge).

Todos os temas de Genet, bem como suas obsessões pessoais mais surpreendentes (a sacralização da traição, da sodomia e do crime) são investigados de modo implacável por Sartre, que aplica aqui todos os seus poderes intelectuais e de escritor em busca da verdade. O leitor se vê, página após página, como um cúmplice poético de dois grandes gênios da contramão, o existencialista e o pária.

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